segunda-feira, 16 de agosto de 2010

ENCENAÇÃO

A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do século XIX e o emprego da palavra remonta a 1820 (VEINSTEIN, 1955:9). É nesta época que o encenador passa a ser o responsável “oficial” pela ordenação doe espetáculo. Anteriormente, o ensaiador ou, às vezes, o ator principal é que era encarregado de fundir o espetáculo num molde preexistente. A encenação se assemelhava a uma técnica rudimentar de marcação* dos atores. Esta concepção prevalece às vezes entre o grande público, para quem o encenador só teria que regulamentar os movimentos dos atores e das luzes.
B. DORT explica o advento da encenação não pela complexibilidade dos recursos técnicos e da presença indispensável de um “manipulador” central, mas por uma modificação dos públicos: “A partir da segunda metade do século XIX, não há mais, para os teatros, um público homogêneo e nitidamente diferenciado segundo o gênero dos espetáculos que lhe são oferecidos. Desde então, não existe mais nenhum acordo fundamental prévio entre espectadores e homens de teatro sobre o estilo e o sentido desses espetáculos” (1971:61).

1. Funções da Encenação

a. Definições mínima e máxima

A. VEINSTEIN propõe duas definições de encenação, segundo o ponto de vista da grande público e aquele dos especialistas: “Numa ampla acepção, o termo encenação designa o conjunto dos meios de interpretação cênica: cenário, iluminação, música e atuação [...]. Numa acepção estreita, o termo encenação designa a atividade que consiste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação, dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra dramática” (1955: 7).
Deixamos de lado as razões históricas do surgimento da encenação, no final do século XIX, sem menosprezar sua importância. Seria fácil mostrar a revolução técnica da cena, entre 1880 e 1900, principalmente a mecanização do palco e o aperfeiçoamento da iluminação elétrica. A isto se acrescentam a crise do drama, assim como o desmoronamento da dramaturgia clássica e do diálogo (SZONDI, 1956).

b. Exigência totalizante

Em suas origens, a encenação afirma uma concepção clássica da obra teatral cênica como obra total e harmônica que ultrapassa e engloba a soma dos materiais ou artes cênicas, outrora considerados como unidades fundamentais. A encenação proclama a subordinação de cada arte ou simplesmente de cada signo a um todo harmonicamente controlado por um pensamento unificador. “Uma obra de arte não pode ser criada se não for dirigida por um pensamento único” (E. G. CRAIG). A exigência totalizante é acompanhada, desde o surgimento da encenação, de uma tomada de consciência da historicidade dos textos e das representações, da série de sucessivas concretizações de uma mesma obra. Esta historicidade se manifesta pela imposição de um novo saber ao texto a ser representado: aquele das ciências humanas: “O saber é constitutivo da encenação” (PIEMME, 1984: 67).

c. Colocação no espaço

A encenação consiste em transpor a escritura dramática do texto (texto escrito e/ou indicações cênicas*) para uma escritura cênica. "A arte da encenação é a arte de projetar no espaço aquilo que o dramaturgo só pode projetar no tempo" (APPIA, 1954: 38). A encenação é "numa peça de teatro a parte verdadeira e especificamente teatral do espetáculo" (ARTAUD, 1964b: 161, 162). É, em suma, a transformação, ou melhor, a concretização do texto, através do ator e do espa­ço cênico, numa duração vivenciada pelos es­pectadores.
O espaço é, por assim dizer, colocado em pa­lavras: o texto é memorizado e inscrito no espaço gestual do ator, réplica após réplica. O ator busca o percurso e as atitudes que melhor correspondem a sua inserção espacial. As falas do diálogo, rea­grupadas no texto, são doravante espalhadas e inseri das no espaço e no tempo cênicos, para se­rem vistas e ouvidas: "O tipo de enunciação do texto dramático contém a exigência de ser dado a ver", escreve justamente P. RICOEUR (1983: 63). O gesto, por exemplo, é sistematicamente trabalhado para ser legível (mais que visível); ele é estilizado, abstrato, decomposto, associado mne­motecnicamente ao desfile do texto, ancorado de acordo com alguns pontos de referência, em al­guns apoios (subpartitura*).

d. Conciliação

Os diferentes componentes da representação, devidos muitas vezes à intervenção de vários cria­dores (dramaturgo, músico, cenógrafo etc.), são reunidos e coordenados pelo encenador. Quer se trate de obter um conjunto integrado (como na ópera) ou, ao contrário, de um sistema onde cada arte conserva sua autonomia (BRECHT), o ence­nador tem por missão decidir o vínculo entre os diversos elementos cênicos, o que evidentemente influi de maneira determinante na produção do sentido global. Este trabalho de coordenação e homogeneização se faz, para um teatro que mos­tra uma ação, em torno da explicação e do co­mentário da fábula* que é tornada inteligível re­correndo-se à cena usada como teclado geral da produção teatral. A encenação deve formar um sistema orgânico completo, uma estrutura onde cada elemento se integra ao conjunto, onde nada é deixado ao acaso, e sim, possui uma função na concepção de conjunto. Toda encenação instaura uma coerência *, a qual, aliás, ameaça a todo momento transformar-se em incoerência. Exem­plar, a este respeito, é a definição de COPEAU, que retoma inúmeras experiências teatrais: "Por encenação entendemos: o desenho de uma ação dramática. É o conjunto dos movimentos, gestos e atitudes, a conciliação das fisionomias, das vo­zes e dos silêncios; é a totalidade do espetáculo cênico, que emana de um pensamento único, que o concebe, o rege e o harmoniza. O encenador in­venta e faz reinar entre as personagens aquele vín­culo secreto e invisível, aquela sensibilidade re­cíproca, aquela misteriosa correspondência das relações, em cuja ausência o drama, mesmo que interpretado por excelentes atores, perde a melhor parte de sua expressão" (COPEAU, 1974: 29-30).

e. Evidenciação do sentido

A encenação não é mais considerada, portanto, como "mal necessário" do qual o texto dramático poderia muito bem, afinal de contas, se privar, e sim, como o próprio local do aparecimento do sen­tido da obra teatral. Assim, para STANISLÁVSKI, compor uma encenação consistirá em tomar mate­rialmente evidente o sentido profundo do texto dra­mático. Para isso, a encenação disporá de todos os recursos cênicos (dispositivo cênico, luzes, figuri­nos etc.) e lúdicos (atuação, corporalidade e gestualidade). A encenação compreende ao mes­mo tempo o ambiente onde evoluem os atores e a interpretação psicológica e gestual desses atores. Toda encenação é uma interpretação do texto (ou do script), uma explicação do texto "em ato"; s6 temos acesso à peça por intermédio desta leitura do encenador.

f. Três questões sobre a organização da encenação

Para compreender a concretização que impli­ca toda nova encenação de um mesmo texto, bus­ca-se estabelecer a relação entre o texto dramáti­co e seu contexto de enunciação, colocando três questões teóricas:

• Que concretização é feita do texto dramático quando de qualquer nova leitura ou encenação? Que circuito da concretização se estabelece en­tão como obra-coisa, contexto social e objeto es­tético? (Para retomar os termos de MUKA­ROVSKY (1934); cf PAVIS, 1983a).

• Que ficcionalização, isto é, que produção de uma ficção, a partir do texto e a partir da cena, se estabelece graças aos efeitos conjugados do texto e do leitor, da cena e do espectador? No que a mes­cla de duas ficções, textual e cênica, é indispensá­vel à ficcionalização teatral? (cf PAVIS, 1985d)?

• A que ideologização são submetidos o texto dra­mático e a representação? O texto - seja ele dramá­tico ou espetacular - só se compreende em sua intertextualidade*, principalmente em relação às formações discursivas e ideológicas de uma épo­ca ou de um cor pus de textos. Trata-se de imagi­nar a relação do texto dramático e espetacular com o contexto social, isto é, com outros textos e dis­cursos mantidos sobre o real por uma sociedade. Sendo esta relação das mais frágeis e variáveis, o mesmo texto dramático produz sem dificuldade uma infinidade de leituras e, portanto, de encena­ções imprevisíveis a partir somente do texto.

g. Solução imaginária

O relacionamento das duas ficções, textual e cênica, não se limita a estabelecer uma circularidade entre enunciado e enunciação, ausência e presença. Ela confronta os locais de indetermi­nação e as ambigüidades do texto e da represen­tação. Estes locais não coincidem necessariamente no texto e no palco. Por vezes, a representação pode tomar ambígua, isto é, polissêmica ou, ao contrário, vazia de sentido, esta ou aquela passa­gem do texto. Por vezes, ao contrário, a represen­tação toma partido sobre uma contradição ou uma indeterminação textual.
Tomar opaco pelo palco o que era claro no tex­to, ou esclarecer o que era opaco no texto, tais ope­rações de determinação/indeterminação situam-se no cerne da encenação. Na maior parte do tempo, a encenação é uma explicação de texto que orga­niza uma mediação entre o receptor original e o receptor contemporâneo. Por vezes, ao contrário, ela é uma "complicação de texto", uma vontade deliberada de impedir toda comunicação entre os contextos sociais das duas recepções.
Em certas encenações (aquelas inspiradas, por exemplo, por uma análise dramatúrgica brechtia­na), trata-se de demonstrar como o texto dramáti­co foi ele próprio a solução imaginária de contra­dições ideológicas reais, aquelas da época na qual se estabeleceu a ficção. A encenação é então en­carregada de tomar a contradição textual imagi­nável e representável. Para encenações preocu­padas com a revelação de um subtexto do tipo stanislavskiano, supõe-se que o inconsciente do texto acompanhe, num texto paralelo, o texto real­mente pronunciado pelas personagens.

h. Discurso paródico

Qualquer que seja a vontade, apregoada ou não, de mostrar a contradição da fábula ou a verdade profunda do texto através da visualização do subtexto, a encenação é sempre um discurso ao lado de uma leitura achatada e neutra do texto; ela é, no sentido etimológico, paródica. mas nem a contradição, nem o subtexto inconsciente estão verdadeiramente ao lado ou acima do texto (como o metatexto); eles estão no entrechoque e no en­trelaçamento das duas leituras, no interior da concretização, da ficção, da relação com a ideo­logia: como uma paródia que não poderíamos se­parar do objeto parodiado.

i. Direção de ator

Concretamente, a encenação passa por uma fase de direção de atores. O encenador guia os comediantes fazendo-os mudar e explicitando-lhes a imagem que eles produzem trabalhando a partir de suas propostas e efetuando correções em função dos outros atores. Ele se assegura de que o detalhe do gesto, da entonação, do ritmo cor­responde ao conjunto do discurso da encenação, integra-se a uma seqüência, a uma cena, a um conjunto. Os atores experimentam, durante os en­saios, diversas situações de enunciação*. Ocu­pam pouco a pouco o espaço, ao termo de um tra­jeto, organizando e organizando-se no conjunto dos sistemas cênicos: "É isto a direção de ator, conseguir motivar vocês e por que os gestos efetuados por vocês no palco lhes pareçam não só que 'têm de ser feitos', mas que são evidentes: sentir que o papel é interpretado apenas com os deslocamentos, por exemplo" (C. FERRAN in Théâtre/Public n. 64-65, 1985, p. 60). Uma dire­ção assim supõe que os signos produzidos pelo ator sejam emitidos claramente, sem "ruídos" nem interferências, com os traços pertinentes busca­dos pelo discurso global da encenação, que os comediantes realizem o jogo cênico uns com os outros, sejam audíveis e "legíveis". Dedica-se freqüentemente um cuidado particular à entona­ção e ao ritmo, àquilo que os alemães chamam de Sprachregie (encenação da língua).
A encenação não é necessariamente - como está na moda dizer - um exercício de autori­tarismo do encenador que despoja os autores e tiraniza sadicamente atores-marionetes. BRECHT o lembrava, em vão: "Entre nós, o encenador não penetra no teatro com sua 'idéia' ou sua 'visão', uma 'planta baixa das marcações' e dos cenários prontos. Seu desejo não é 'realizar' uma idéia. Sua tarefa consiste em despertar e organizar a ati­vidade produtiva dos atores (músicos, pintores etc.). Para ele, ensaiar não significa fazer engolir à força alguma concepção fixada a priori em sua cabeça e, sim, pô-la à prova" (1972: 405).

i. Indicação

No jargão dos atores, diz-se que o encenador dá indicações aos comediantes. Toda a dificul­dade consiste em dar e receber esta indicação por meias palavras: "É uma coisa bem difícil saber pegar bem uma indicação, como é coisa difícil para o encenador dá-Ia com clareza. É preciso captar o espírito de não tomar-se escravo da le­tra" (DULLIN, 1946: 48). Conselho que seguem todos os encenadores para quem a indicação não deve desembocar numa imitação: indicar não é ditar, é, antes, sugerir, informar, mostrar um ca­minho possível.

2. Problemas da Encenação

a. Papel da encenação

O surgimento do encenador na evolução do teatro é significativo de uma nova atitude pe­rante o texto dramático: durante muito tempo, na verdade, este apareceu como o recinto fecha­do de uma única interpretação possível que era preciso despistar (comprova isto, por exemplo, a fórmula de LEDOUX que recomendava ao encenador, em confronto com o texto, "servir e não servir-se"). Hoje, ao contrário, o texto é um convite a buscar seus inúmeros significados, até mesmo suas contradições; ele se presta a novas interpretações. O advento da encenação prova, além do mais, que a arte teatral* tem doravante direito de cidade como arte autônoma. Sua sig­nificação deve ser buscado tanto em sua forma e na estrutura dramatúrgica e cênica quanto no ou nos sentidos do texto. O encenador não é um elemento exterior à obra dramática: "Ele ultra­passa o estabelecimento de um quadro ou a ilus­tração de um texto. Toma-se o elemento fun­damental da representação teatral: a mediação necessária entre um texto e um espetáculo. [ ... ] Texto e espetáculo se condicionam mutuamen­te; um expressa o outro" (DORT, 1971: 55-56).

b. O discurso * da encenação

A encenação de um texto sempre tem uma palavra a dizer: intervenção capital pois será, para a representação, a "última palavra"; não existe discurso universal e definitivo da obra que a representação deve trazer à luz. A alternativa que ainda hoje vigora entre os grandes encena­dores - "levar o texto" ou "levar a representa­ção" - é, portanto, falseada desde o início. Não se poderia privilegiar impunemente um dos dois termos. Quase não se pensa mais, hoje, que o texto é o ponto de referência congelado numa única representação possível, texto que só teria uma única "verdadeira" encenação (roteiro*, texto e cena*).

c. Local do discurso da encenação

• As indicações cênicas* dão diretivas muito precisas para a realização cênica, porém a encenação não tem necessariamente que segui-Ias ao pé da letra.

• O próprio texto muitas vezes sugere o desen­rolar e o local da ação, a posição das personagens etc. (indicações espaço-temporais*). Um texto dramático, qualquer que seja ele, não pode ser escrito sem uma vaga idéia de uma possível re­presentação, sem um conhecimento, mesmo que rudimentar, das leis da cena usada, da concepção da realidade representada, da sensibilidade de uma época aos problemas do tempo e do espaço (pré­encenação*).

• As indicações cênicas e as sugestões vindas do texto nunca são verdadeiramente imperativas, e é decisiva a intervenção pessoal, e em certa me­dida exterior ao texto, do encenador. O local e a forma desta intervenção são muito ambíguos. Mesmo que seja concretizado num caderno de encenação, o discurso do encenador dificilmente é isolável da representação; ele constitui sua enunciação*, metalinguagem perfeitamente inte­grada ao modo de apresentação da ação e das per­sonagens; ele não vem se juntar ao texto lingüís­tico e à cena, não existe em parte alguma como texto acabado; está espalhado nas opções do jogo da atuação da cenografia, do ritmo etc. Por outro lado, ele só existe, segundo nossa concepção pro­dutiva-receptiva da encenação, quando é reconhe­cido e, em parte, partilhado pelo público. Mais que um texto (cênico) ao lado do texto dramáti­co, o metatexto é o que organiza, do interior, a concretização cênica, o que não está ao lado do texto dramático, mas, de certo modo, no interior dele, como resultante do circuito da concretização (circuito entre significante, contexto social e sig­nificado do texto) (PAVIS, 1985e: 244-268).

• Além do trabalho consciente do encenador, é preciso, enfim, deixar lugar para um pensamento visual ou inconsciente dos criadores. Se, como o sugere FREUD, o pensamento visual se aproxima mais dos processos inconscientes que o pensa­mento verbal, o encenador ou o cenógrafo pode­ria fazer o papel de "médium" entre linguagem dramática e linguagem cênica. A cena sempre re­meteria então à "outra cena" (espaço interior*).

3. Tipologia das Encenações

a. A encenação dos clássicos

A classificação é arriscada e as categorias voláteis (PAVIS, 1996a). Certas categorias de encena­cão dos clássicos também valem mutatis mu­tandis para os textos contemporâneos. Elas colo­cam todas as questões estéticas com uma acuidade ainda maior. O fato de se tratar de textos já anti­gos e dificilmente aceitáveis hoje sem uma certa explicação quase que obriga o encenador a to­mar partido quanto à sua interpretação ou a si­tuar-se na tradição das interpretações. Várias so­luções oferecem-se então a seu trabalho:

• Reconstituição arqueológica
Não encenar e, sim, reencenar uma peça inspi­rando-se, com um fervor arqueológico, na ence­nação de origem, quando os documentos de épo­ca estão disponíveis.

• Neutralização
Recusar a cena e suas escolhas cênicas em "bene­fício" de uma leitura neutra do texto, sem tomar partido quanto à produção do sentido e dando a ilusão (falaciosa) de que só nos prendemos ao tex­to e que a visualização é redundante. Ora o texto é vivido como uma ação única que não "dobra" o real (ARTAUD); ora o texto é concebido como um "bisturi que permite que abramos a nós mesmos' (GROTOWSKI, 1971: 35).

• Historicização
Levar em conta a defasagem entre a época da fic­ção representada, aquela de sua composição, e a nossa, acentuar esta defasagem e indicar as ra­zões históricas nos três níveis de leitura, isto é, historicizar". Este tipo de encenação restaura mais ou menos explicitamente, os pressupostos ideológicos ocultados, não receia desvendar os mecanismos da construção estética do texto e de sua representação. PLANCHON, VILAR, STREHLER, FORMIGONI, VINCENT pertencem a esse tipo de "encenação sociológica" (VlTEZ, 1994: 147).

• Recuperação do texto como material bruto
Textos antigos são usados como simples mate­rial com finalidade estética ou ideológica (atua­lização brechtiana, modernização, adaptação, reescritura). Citações ou trechos de outras obras esclarecem intertextualmente a obra interpreta­da (MERGUISCH, VITEZ).

• Encenação de sentidos possíveis e múltiplos do texto
Instalando práticas significantes* (KRISTEVA), que oferecem o texto espetacular à manipulação do espectador (A. SIMON, 1979: 42-56). Estas práticas oscilam entre uma abstração e uma abun­dância da cena.

• "Despedaçamento" do texto original
Ao mesmo tempo destruição de sua harmonia superficial, revelação das contradições ideológi­cas (cf PLANCHON e sua Mise en Piêcei s) du Cid, seu Arthur Adamov ou suas Folies bourgeoises) ou as encenações do Théâtre de l'Unité (!).

• Retorno ao mito
A encenação se desinteressa da dramaturgia es­pecífica do texto, para pôr a nu o núcleo mítico que o habita (ARTAUD, GROTOWSKI, BROOK e CARRIERE em sua adaptação do Mahabarata).

b. Alterações na escritura

Um meio possível de se demarcar os tipos de encenação consiste em observar como elas tra­tam o texto: "Por qualquer extremidade que se­jam pegas, todas as perguntas que o teatro faz sempre conduzem a esta: que acontece com o sen­tido do texto no palco?" (SALLENAVE, 1988: 93). Cada década parece haver inventado sua própria relação com os textos e o palco:
- os anos cinqüenta propuseram uma leitura (res­peitosa) das peças do patrimônio nacional (VILAR);
- os anos sessenta introduzem uma releitura crí­tica e distanciada (PLANCHON);
- os anos setenta preferem uma desleitura, desconstrução polifônica e dialógica (BAKHTIN, 1978) das práticas significantes (VITEZ);
- os anos oitenta questionam a estética da recep­ção e o "papel do leitor" (ECO, 1980), tomam altura e propõem meta leituras que timbram toda observação com o selo do comentário, margi­nal ou predominante (MESGUICH);
- os anos noventa restauram os poderes da escri­tura e assistem a uma eclosão de escrituras tan­to autônomas quanto abertas numa encenação: superleitura que se presta a todas as situações (COLAS ou PY);
- e no terceiro milênio? O texto, ou o hipertexto, talvez passe da memória humana à memory da máquina, do corpo à virtualidade, sem que nin­guém tenha mais consciência dele, misturadas que estarão hiperescritura e hiperleitura.

(PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: perspectiva, 1999, p. 122 - 127)

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