domingo, 11 de agosto de 2013

CONTAMINAÇÃO: Teatralidade x Performatividade

Por Jean Carlo Cunha

A ideia de escrever sobre contaminação, partiu das experiências que tenho como artista, tanto no fazer como no apreciar. Nos dias atuais torna-se impossível pensar na cena contemporânea, sem aceitar que ela esteja contaminada de alguma forma por quaisquer outras fontes que não seja o teatro.

Segundo o dicionário Michaelis, con.ta.mi.na.ção vem do latim contaminatione, e significa ato ou efeito de contaminar, contágio, infecção por contato. Diz ainda que é poluição, além de poder ser a fusão irregular de duas construções que, em separado, são regulares.

Como transpor essa idéia para uma cena, onde muitas vezes nos questionamos se estamos pensando em teatralidade ou performatividade? São conceitos que se fundem, numa contaminação visível. Não há fronteiras para a cena contemporânea em relação a dança, artes plásticas, cinema. Esses conflitos ainda reincidem sobre as limitações de conceitos como: obra e processo, ficcional e real, espaço cênico e espaço publico, ator e performer.

Pensando nessa contaminação, tentaremos definir a partir de algumas referencias teatralidade e performatividade, para elucidar melhor o caminho a percorrer.

Teatralidade constitui-se como um substantivo urdido a partir do adjetivo teatral. Designa algo levemente ostentatório ou arbitrariamente empreendido para gerar um efeito. É característica ou qualidade de teatral. Pode ainda ser definida como uma virtude artística.

Portanto numa ótica que mais nos interessa, definimos que “a condição da teatralidade seria, pois, a identificação (quando ela foi querida pelo outro) ou a criação (quando o sujeito a projeta sobre as coisas) de um espaço outro que o do cotidiano, um espaço que cria o olhar do espectador.”(Feral, 1988, p.6)
A teatralidade surge na modificação das relações entre os sujeitos, o outro se torna ator (pois manifesta-se como tal), ou porque o olhar do espectador assim o define. Ela permite ao sujeito que faz, como aquele que olha, a passagem do aqui a outro lugar.


Dentro desta idéia, a teatralidade é, antes, o resultado de uma dinâmica perceptiva, a do olhar que liga um olhado (sujeito ou objeto) e um olhante (também criador).Seria a maneira específica da enunciação teatral, a circulação dos conteúdos subjetivos dos diálogos e rubricas, o desdobramento visual da enunciação (personagem/ator) e de seus enunciados. A teatralidade se assemelha então a projeção, no mundo sensível, dos estados e imagens que constituem suas molas ocultas.

Como se vê, segundo Pavis, a teatralidade é um termo polissêmico, que inclui a performatividade e depende da leitura do espectador para se cons­tituir.

Em relação a performatividade, não há como pensar nela sem se remeter a performance, origem do termo. Performance é uma palavra que tem suas origens no francês antigo: parformance, de parformer - accomplir - (fazer, cumprir, conseguir, concluir) podendo significar ainda levar alguma tarefa ao seu sucesso. Em seu significado mais elementar pode significar iniciar, fazer, executar ou desenvolver uma determinada tarefa. Na década de 1960 a performance art ou performance artística surge como uma linguagem artistica interdisciplinar com objetivo de interagir mais diretamente com o público.

O conceito de performatividade é trabalhado hoje, prioritariamente, no campo de estudos da performance, que se consolidou nos Estados Uni­dos nos anos 1970 e 1980, especialmente com a equipe liderada por Richard Schechner, da Univer­sidade de Nova York, que define que performatividade, seria ao mesmo tempo uma ferramenta teórica e um ponto de vista analí­tico, já que toda construção da realidade social tem potencial performativo. Conclui-se que o termo performatividade sempre esta aberto a interferências e contágios mútuos de outras formas de arte.

Em meio a tantos conceitos, nao nos cabe definir o certo e o errado, porque em teatro cabe apenas o justo. Uma linguagem tao antiga, e que em meio a tantas mudancas proporcionadas pelas novas tecnologias, resiste. E so resiste porque se adapta, se inova e permite na atualidade que tudo que existe seja inserido na cena. Esta ai a tal contaminacao.

Ha um texto rico em informacoes que elucida muito bem esta questao, chamado Teatralidade ePerformatividade na cena contemporanea escrito por Silvia Fernandes, e que norteia as origens dessa contaminacao. Tambem nao se pode deixar de citar a entrevista com Béatrice Picon-Vallin, que resolve muito bem estas questões conceituais, pois de um lado temos Josette Feral que defende o teatro performativo, de outro o “teatro pós-dramático” de Hans-Thies Lehmann, e por fim a “reinvenção do drama” de pesquisadores franceses como Jean-Pierre Sarrazac.
Ao ser questionada sobre estes conceitos ela diz:

_ Considero hoje que o teatro existe sob formas múltiplas; atualmente, sua característica essencial é de ser completamente estilhaçado, de ser uma paisagem que está totalmente “à procura”. Escolheria, talvez, a noção de “hibridação”, que me parece importante porque remete à ciência, às pesquisas das “ciências duras”, e acredito que o teatro tem muito a aprender com elas – particularmente com as neurociências. Portanto, se eu procurasse realmente uma teoria na qual pudesse me apoiar, seria mais para esse lado que eu me encaminharia, o que se liga à primeira questão que vocês me fizeram (que dizia respeito à formação do ator). Para responder a essa questão é a noção de “teatro híbrido”, “teatro estilhaçado”, “teatro múltiplo” que seria mais conveniente em minha opinião.

Cabe ressaltar que essa contaminação esta cada vez mais evidente nos trabalhos apresentados pelos grupos e coletivos teatrais, que através de seus processos colaborativos evidenciam a emergência da performance na cena teatral. Segue como exemplo claro dessa contaminação trabalhos recentes como o espetáculo Barafonda da Cia São Jorge de Variedades, Pulsão do Desvio Coletivo, Nada aconteceu, Tudo acontece, Tudo esta acontecendo do Grupo XIX, Édipo na Praça de Os Satyros. A contaminacao é evidente, quando se vê as cenas há momentos em que não se sabe se o que vemos é real ou ficcional, processo ou obra acabada,ora em espaço publico, ora em espaço privado e fechado, as vezes são atores clássicos, as vezes performers, tudo numa única apresentação. Melhor do que definir é apenas acreditar que estão simplesmente contaminados.

BARAFONDA - CIA SÃO JORGE DE VARIEDADES (2013)


PULSÃO - DESVIO COLETIVO (2013) 


NADA ACONTECEU, TUDO ACONTECE, TUDO ESTA ACONTECENDO 
GRUPO XIX (2013)


ÉDIPO NA PRAÇA - OS SATYROS (2013) 


INSÓLITO - GRUPO DE NINGUÉM (2013)



Na videoperformance abaixo, segue outro exemplo de contaminação, um trabalho desenvolvido pelo Grupo de Ninguém, Insolito, com direção de Jean Carlo Cunha, registrado para a disciplina de Programa de Mestrado da ECA-USP, sob orientação de Marco Bulhões.


http://www.youtube.com/watch?v=LBbUUPGdL0c&feature=em-upload_owner

Referências bibliográficas:  

COHEN, Renato. Performance como linguagem. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.

COHEN, Renato. ‘Work in progress’ na Cena Contemporânea.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.

FÉRAL, Josette. A teatralidade. Trad. Francine Roche. In: Poétique, Revue de Théorie et dánalyse littéraires. Ed. Seuil, número 75, setembro, 1988.
FERNANDES, Silvia. Teatralidade e Performatividade na cena contemporânea. In Revista Repertório  n16, p. 11-23, 2011.
 
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático, São Paulo, CosacNaify, 2007.

PAVIS, Patrice. Dicionario de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008.

PICON-VALLIN, Beatrice. Teatro híbrido, estilhaçado e múltiplo: um enfoque pedagógico. In: Sala Preta (USP). n.1, v. 11, p.193-211, 2011.

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