CONTAMINAÇÃO:
Teatralidade x Performatividade
Por Jean
Carlo Cunha
A ideia de
escrever sobre contaminação, partiu das experiências que tenho como artista,
tanto no fazer como no apreciar. Nos dias atuais torna-se impossível pensar na
cena contemporânea, sem aceitar que ela esteja contaminada de alguma forma por
quaisquer outras fontes que não seja o teatro.
Segundo o dicionário
Michaelis, con.ta.mi.na.ção vem do
latim contaminatione, e significa ato ou efeito de contaminar, contágio, infecção por
contato. Diz ainda que é poluição, além de poder ser a fusão irregular de duas construções
que, em separado, são regulares.
Como transpor
essa idéia para uma cena, onde muitas vezes nos questionamos se estamos pensando
em teatralidade ou performatividade? São conceitos que se fundem, numa contaminação
visível. Não há fronteiras para a cena contemporânea em relação a dança, artes plásticas,
cinema. Esses conflitos ainda reincidem sobre as limitações de conceitos como:
obra e processo, ficcional e real, espaço cênico e espaço publico, ator e
performer.
Pensando
nessa contaminação, tentaremos definir a partir de algumas referencias
teatralidade e performatividade, para elucidar melhor o caminho a percorrer.
Teatralidade constitui-se como um substantivo
urdido a partir do adjetivo teatral. Designa algo levemente ostentatório ou
arbitrariamente empreendido para gerar um
efeito. É característica ou qualidade de teatral. Pode ainda ser definida
como uma virtude artística.
Portanto numa
ótica que mais nos interessa, definimos que “a condição da teatralidade seria,
pois, a identificação (quando ela foi querida pelo outro) ou a criação (quando
o sujeito a projeta sobre as coisas) de um espaço outro que o do cotidiano, um
espaço que cria o olhar do espectador.”(Feral, 1988, p.6)
A teatralidade surge na modificação das relações entre os sujeitos, o outro se
torna ator (pois manifesta-se como tal), ou porque o olhar do espectador assim
o define. Ela permite ao sujeito que faz, como aquele que olha, a passagem do
aqui a outro lugar.
Dentro desta
idéia, a teatralidade é, antes, o resultado de uma dinâmica perceptiva, a do
olhar que liga um olhado (sujeito ou objeto) e um olhante (também criador).Seria
a maneira específica da enunciação teatral, a circulação dos conteúdos
subjetivos dos diálogos e rubricas, o desdobramento visual da enunciação
(personagem/ator) e de seus enunciados. A teatralidade se assemelha então a
projeção, no mundo sensível, dos estados e imagens que constituem suas molas
ocultas.
Como se vê,
segundo Pavis, a teatralidade é um termo polissêmico, que inclui a
performatividade e depende da leitura do espectador para se constituir.
Em relação a performatividade, não há como pensar
nela sem se remeter a performance, origem
do termo. Performance é uma palavra que tem suas origens no francês antigo: parformance,
de parformer - accomplir - (fazer, cumprir, conseguir, concluir)
podendo significar ainda levar alguma tarefa ao seu sucesso. Em seu significado
mais elementar pode significar iniciar, fazer, executar ou desenvolver uma
determinada tarefa. Na década de 1960 a performance art ou performance
artística surge como uma linguagem artistica interdisciplinar com objetivo de interagir
mais diretamente com o público.
O conceito de
performatividade é trabalhado hoje, prioritariamente, no campo de estudos da
performance, que se consolidou nos Estados Unidos nos anos 1970 e 1980,
especialmente com a equipe liderada por Richard Schechner, da Universidade de
Nova York, que define que performatividade, seria ao mesmo tempo uma ferramenta
teórica e um ponto de vista analítico, já que toda construção da realidade
social tem potencial performativo. Conclui-se que o termo performatividade sempre
esta aberto a interferências e contágios mútuos de outras formas de arte.
Em meio a tantos conceitos, nao nos cabe definir o certo
e o errado, porque em teatro cabe apenas o justo. Uma linguagem tao antiga, e
que em meio a tantas mudancas proporcionadas pelas novas tecnologias, resiste. E
so resiste porque se adapta, se inova e permite na atualidade que tudo que
existe seja inserido na cena. Esta ai a tal contaminacao.
Ha um texto rico em informacoes que elucida muito bem
esta questao, chamado Teatralidade ePerformatividade na cena contemporanea escrito por Silvia Fernandes, e que
norteia as origens dessa contaminacao. Tambem nao se pode deixar de citar a
entrevista com Béatrice Picon-Vallin, que resolve muito bem
estas questões conceituais, pois de um lado temos Josette Feral que defende o
teatro performativo, de outro o “teatro pós-dramático” de
Hans-Thies Lehmann,
e por fim a “reinvenção do drama”
de pesquisadores franceses como Jean-Pierre Sarrazac.
Ao ser questionada
sobre estes conceitos ela diz:
_ Considero hoje que o teatro
existe sob formas múltiplas; atualmente, sua característica essencial é de ser
completamente estilhaçado, de ser uma paisagem que está totalmente “à procura”.
Escolheria, talvez, a noção de “hibridação”, que me parece importante porque
remete à ciência, às pesquisas das “ciências duras”, e acredito que o teatro
tem muito a aprender com elas – particularmente com as neurociências. Portanto,
se eu procurasse realmente uma teoria na qual pudesse me apoiar, seria mais
para esse lado que eu me encaminharia, o que se liga à primeira questão que
vocês me fizeram (que dizia respeito à formação do ator). Para responder a essa
questão é a noção de “teatro híbrido”, “teatro estilhaçado”, “teatro múltiplo”
que seria mais conveniente em minha opinião.
Cabe
ressaltar que essa contaminação esta cada vez mais evidente nos trabalhos
apresentados pelos grupos e coletivos teatrais, que através de seus processos
colaborativos evidenciam a emergência da performance na cena teatral. Segue como
exemplo claro dessa contaminação trabalhos recentes como o espetáculo Barafonda
da Cia São Jorge de Variedades, Pulsão do Desvio Coletivo, Nada aconteceu, Tudo
acontece, Tudo esta acontecendo do Grupo XIX, Édipo na Praça de Os Satyros. A
contaminacao é evidente, quando se vê as cenas há momentos em que não se sabe
se o que vemos é real ou ficcional, processo ou obra acabada,ora em espaço publico,
ora em espaço privado e fechado, as vezes são atores clássicos, as vezes
performers, tudo numa única apresentação. Melhor do que definir é apenas
acreditar que estão simplesmente contaminados.
BARAFONDA - CIA SÃO JORGE DE VARIEDADES (2013)
PULSÃO - DESVIO COLETIVO (2013)
NADA ACONTECEU, TUDO ACONTECE, TUDO ESTA ACONTECENDO
GRUPO XIX (2013)
ÉDIPO NA PRAÇA - OS SATYROS (2013)
INSÓLITO - GRUPO DE NINGUÉM (2013)
Na
videoperformance abaixo, segue outro exemplo de contaminação, um trabalho desenvolvido
pelo Grupo de Ninguém, Insolito, com direção de Jean Carlo Cunha, registrado para a
disciplina de Programa de Mestrado da ECA-USP, sob orientação de Marco Bulhões.
Referências bibliográficas:
COHEN, Renato. Performance como linguagem. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.
COHEN, Renato. ‘Work in progress’ na Cena Contemporânea.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1998.
FÉRAL, Josette. A teatralidade. Trad. Francine Roche. In: Poétique, Revue de Théorie et dánalyse littéraires. Ed. Seuil, número 75, setembro, 1988.
FERNANDES, Silvia. Teatralidade e Performatividade na cena contemporânea. In Revista Repertório n16, p. 11-23, 2011.
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático, São Paulo, CosacNaify, 2007.
PICON-VALLIN, Beatrice. Teatro híbrido, estilhaçado e múltiplo: um enfoque pedagógico. In: Sala Preta (USP). n.1, v. 11, p.193-211, 2011.
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